Ana Rodrigues: Arábia Saudita… 8 meses depois!
8 meses depois…

Ando há meses para escrever sobre esta experiência… Trabalhar e viver na Arábia Saudita…!
Parece tema de conversa para horas e horas, e dias, mas na realidade não é para tanto!

Falaram-me do choque cultural, e das diferenças que ia encontrar na vida social; e claro que é diferente, mas honestamente esperava mais restrições, mais sacrifÃcios, mais dificuldades… E não!

Em “casa”…
A vida no compound é muito tranquila e ocidentalizada, tal qual vivesse numa “Wisteria Lane”! A sensação é de estar num bairro fechado, protegido, grande o suficiente para não parecer uma gaiola, mas pequeno o bastante para em pouco tempo se conhecerem os vizinhos, e se fazerem lanches, jantares e afins só porque sim!
Além das casinhas de bonecas com jardim e pátio, temos a piscina, o mini ginásio, e alguns courts de ténis! 
Como se não fosse já suficiente, o usufruto destas instalações e sua manutenção é gratuito! E permitam-me frisar este ponto da manutenção ser gratuita, porque é algo que tomo mesmo como verdadeiro luxo! A carpete/paredes estão sujas? Chamam-se as senhoras da limpeza! A torneira pinga? Chama-se o canalizador! A toma de electricidade não funciona? Chama-se o electricista! O jardim está uma miséria? Chama-se o jardineiro! Os sofás estão velhos/feios?! Vai-se ao armazém escolher outros (que seguramente serão velhos também, mas estarão ao nosso gosto)! O microondas não funciona?! Eles reparam ou substituem! E assim, todo aquele stress de procurar um técnico que tenha disponibilidade e seja economicamente sustentável desaparece, e vive-se mesmo tranquilamente!


O que vestir?!
Dentro do compound as restrições à roupa que podemos usar prendem-se mais com o bom-senso de cada uma do que regras estritas, podendo inclusivamente usar-se mini-saias e decotes, ou fazer topless na piscina! 
No recinto do hospital é um pouco diferente! Pede-se a todas as pessoas que mantenham uma aparência profissional, e isso significa não usar calças de ganga, roupa com mensagens estampadas que possam ser ofensivas, e saltos altos! A par com estas normas espera-se que as mulheres andem com roupas largas, pouco reveladoras da escultura feminina, e todos preferencialmente tapados (nada de calções, mangas cavas ou decotes)! O uso da abbaya é de acordo com a preferencia de cada uma! 
Quando saÃmos desta “bolha ocidentalizada” que é o hospital e seus compounds há que seguir a regra saudita: abbaya e lenço seja para onde for! Não importa se é só uma viagem de carro do compound para a embaixada, ou se no restaurante até é para ficar numa sala privada em que o uso da abbaya não seja obrigatório… Não importa! Sempre que se sai, abbaya e lenço são adereços obrigatórios! 

A abbaya…
As abbayas são uma espécie de túnicas compridas, pretas, que tapam todo o corpo até aos pés. Encontram-se de várias formas e feitios, mas sempre cumprindo o objectivo de tapar o corpo da mulher!
Eu pessoalmente tenho umas quantas… A simples toda preta com brilhantes pretos nos punhos e colarinho; a preta com bordados dourados; a rendada; a estupidamente larga… Detalhes e mariquices de menina vaidosa!
Os lenços andam quase sempre ao pescoço, mas fora do hospital dão jeito para tapar o cabelo se abordadas por um muttawa (“policia religiosa”), ou simplesmente para esconder um dia mau de cabelo!
E pode parecer cruel ser obrigada a usar tanta roupa no calor deste deserto, mas o facto é que ter a abbaya e o lenço para tapar o sol e evitar a radiação directa na pele é um alivio!
Pelas condições climatéricas, e provavelmente também pela cultura de restrições e preservação da mulher, não é muito habitual verem-se mulheres a caminhar pela cidade! É possÃvel, e não infringe nenhuma lei, mas ir à s compras ou simplesmente ver montras acaba por acontecer mais em centros comerciais. Os passeios a pé acontecem à noite, normalmente em grupos de mulheres, ou homens, ou famÃlias, em parques ou calçadões para o efeito.

E quem nos conduz?! 
Neste paÃs não há transportes públicos, e as mulheres estão proibidas de conduzir! Assim, faz sentido que a Arábia Saudita seja o paÃs com mais motoristas no mundo! 
Normalmente eu uso o serviço de motoristas do hospital para ir onde for, e ou combino a volta com o mesmo motorista ou depois apanho um taxi! Às vezes não é fácil fazermo-nos entender porque nem toda a gente fala inglês, e há sempre algum chico-esperto a tentar enganar-nos no caminho para fazer mais uns trocos, mas a verdade é que ao fim de um tempo dominamos o sistema de transportes tal como em casa!

As relações com o sexo oposto…
Esta foi outra agradável surpresa! Pensava eu antes de vir que ia estar tal freira num convento, que falar com um homem seria um grande pecado ou afronta, mas não! Homens e mulheres podem falar uns com os outros, e até conviver nas zonas de famÃlias! Há regras, mas não é tão restrito como se poderia pensar!
No trabalho a diferença em relação a qualquer paÃs ocidental é quase imperceptÃvel! Homens e mulheres trabalham juntos; sauditas e ocidentais; muçulmanos e católicos… E não há nenhum problema! As pessoas tratam-se com respeito, e é certo que se por um lado toques casuais devem ser evitados, por outro tudo se pode dizer desde que com educação!

O compound onde vivo é só de mulheres, e obviamente tem a entrada proibida a homens; no refeitório principal do hospital também homens e mulheres estão separados, como em quase todos os restaurantes; mas existem zonas onde o convÃvio é possÃvel!
E nos tempos livres?!
Além do descanso que o corpo pede depois de turnos de 12h30, há sempre alguma coisa para fazer de acordo com as preferencias de cada um!
Desportos vários no Social Club, um café/gelado na esplanada, uma tarde de piscina, compras ou o que for nos centros comerciais, acampamentos/caminhadas no deserto, viagens por qualquer paÃs dos arredores, festas nas embaixadas e/ou outros compounds, bowling em hotéis, almoços e jantares… Tudo e/ou mais do que se pode fazer em casa com a vantagem de dinheiro não ser obstáculo! 

E falando de dinheiro…
Pagam o que prometem a tempo e horas! Quem pensa em poupar um trocos, pode perfeitamente cumprir o seu objectivo, e além do salário base existe sempre a possibilidade de ganhar algo mais em turnos extra! Só depende da vontade de cada um!


O hospital e o trabalho…
Foi uma surpresa!
Durante o perÃodo das entrevistas pensei muitas vezes que poderia não estar à altura, que o grau de exigência seria muito acima do que estava habituada, que talvez precisasse ter feito um curso de inglês tecnico… Sei lá! Com um processo de selecção tão prolongado e moroso sentia-me muito pequenina para trabalhar num hospital tão grande! Treta! A formação profissional em Portugal, e experiência de trabalho em Espanha, foram mais do que suficientes para não precisar de mais do que o normal perÃodo de integração para estar como peixe na água! 
Óbvio que no inÃcio me senti como que saÃda da escolinha, e tudo era tão novo! Um sistema informático integrado, mas complicado; doenças, termos e protocolos novos; lidar com técnicos de tudo e não saber os limites das minhas competências… Mas tudo se aprende! E prestar cuidados de enfermagem de excelência que é o fundamental, o meu trajecto como enfermeira fora daqui ensinou-me!
Não há lugar neste mundo que seja perfeito para trabalhar, e definitivamente a Arábia Saudita não está sequer perto disso, mas é um paÃs em continuo crescimento, que começa a abrir-se ao ocidente, e que está determinado a atingir padrões de qualidade, reconhecendo os que ajudam no processo com uma remuneração monetária que poucos paÃses no mundo oferecem!

Além disso, e no caso particular do hospital, o investimento além de financeiro é também a nÃvel educacional, procurando que todos os seus colaboradores tenham disponÃvel a maior e melhor oferta de formação profissional que obviamente se reflecte em melhores cuidados!

A vida na Arábia Saudita é, como em todo lado, o que fizermos dela! Pode ser um inferno ou um mundo de oportunidades! 

A maioria das pessoas que vêm para este paÃs estão de passagem… E ninguém vem mudar a cultura ou os costumes! Isso são coisas que mudarão ou não de acordo com as vontades dos que são daqui! A nós que vimos de fora resta-nos respeitar! Ninguém que venha vem enganado… E cada um sabe o preço que está disposto a pagar por atingir os seus objectivos! 
Para mim vale a pena!
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