Mónica, enfermeira, fazer a diferença em Angola
Sou a Mónica, tenho 26 anos. Sou natural de Castelo de Paiva, fui militar no Exército Português durante 6 anos e licenciei-me pela Escola Superior de Enfermagem de Lisboa.
Nunca sonhei ser Enfermeira, mas sempre admirei o trabalho dos Enfermeiros, o muito que fazem e a pouca visibilidade que têm, não trabalham para serem reconhecidos, mas para fazerem a diferença…
Angola não surgiu espontaneamente, eu enviei currículos propositadamente para toda a África recusei propostas para a Bélgica, Alemanha e Inglaterra… Quando me fizerem a proposta aceitei sem pestanejar… Porquê Angola?! Porque para mim só faria sentido fazer o sacrifício de abandonar o meu país se fosse para estar num local onde as pessoas sabem bem o que é sacrifício e onde a minha saudade ou a mágoa de abandonar o meu país era pouco comparado ao muito que eu podia fazer por aquelas pessoas, as que sabiam muito antes de saírem do ventre o que é dor e sofrimento.
Quando se fala em Angola, vulgarmente vem à nossa mente a imagem de crianças a passar fome, perseguidas pela guerra, descalças, semi-nuas e com o abdómen distendido… Pelo menos era essa a imagem que vinha à minha cabeça quando me falavam de Angola… Para mim Angola era sangue, era guerra, era dor, era fome, era sofrimento…
Hoje, a Angola que eu conheço é muito diferente daquela que eu imaginava e é isso que me proponho enunciar.
Angola foi um país colonizado por Portugueses, onde estes permaneceram até 11 de Novembro de 1975, altura em que Angola conseguiu a sua independência. Infelizmente esta independência não significou paz, Angola entraria numa guerra civil que só terminaria em 2002 com a morte de Jonas Savimbi.
Ainda hoje nos ficam na memória nomes como (MPLA – Movimento Popular de Libertação de Angola, FNLA – Frente Nacional de Libertação de Angola e UNITA – União Nacional para a Independência Total de Angola) os três principais movimentos de libertação de Angola.
Em 2014, 12 anos depois a Angola que encontro é uma terra sofrida, de gente sofrida e cansada de guerra. Rapidamente percebi que este povo colonizado tinha guardado ódio e rancor ao colono e por isso destruiu o máximo que ele tinha deixado… Edifícios, parques, jardins até mesmo o nome das cidades e das províncias…
A realidade que o Mundo conhece de Luanda é que é a capital mais cara para se viver… A visão que eu tive de Luanda, foi a visão de uma cidade sem regras, pouco organizada, suja e muito povoada.
Coisas simples como saneamento básico, cuidados de saúde, rede de abastecimento de água, rede elétrica são utopias neste país, que tem vindo a evoluir e a reerguer-se.
Mas aqui há uma magia que não existe em todo o lado, aqui os sorrisos são sinceros, os carinhos também, a felicidade aqui é barata, custa pouco… mas não há nada que a compre.
Em cada metro quadrado podemos encontrar uma bela tela de fundo para uma fotografia, em cada pessoa um dialeto diferente e
em cada rosto marcas de vida, da guerra, de sabedoria.
As crianças em Angola não se permitem ser crianças por muito tempo. Brincam com a água, com pedras, com paus… A maioria das vezes fazem os seus próprios brinquedos, mas algumas vezes não se podem sequer permitir brincar.
É muito vulgar ver-se uma criança com não mais que seis anos a guardar uma manada de bois ou de cabras. Há também as crianças que podem ir à Escola, as meninas que se permitem ter vaidade, que entrançam o seu cabelo, que pintam os seus lábios, que sabem que existe um mar que banha esta terra.
Parece incrível, mas é verdade… Angola é um país tropical, com deserto, montanhas, floresta densa, rios e banhado pelo mar, mas que a sua área é tão grande que não permite a todos terem acesso a todos estes locais.
Angola é um país de costumes, de religião, de tradições… Tradições tão particulares e tão distintas como cada uma das suas províncias.
O povo em Angola é desconfiado mas tem um grande coração, o calor do clima e o calor humano fazem com que a distância custe menos… A cultura é tão rica e aprende-se tanto com este povo que não me vejo a fazer outra coisa nem a trabalhar noutro sítio…
Nem tudo são rosas, e já chorei em Angola… Mas cada sorriso que despertei àqueles que pude ajudar, fez com que essas lágrimas fossem insignificantes perante tamanha conquista.
Em Angola caminhei pelo desconhecido a par com animais que só tinha visto no zoo, dancei músicas que não conhecia, falei outras línguas, aprendi a fazer banquetes com farinha água e pouco mais, transportei crianças às costas, vi um pôr-do-sol diferente em cada dia, mas com uma magia que nenhuma foto conseguiu captar…
Em Angola como em todo lado há o medo do desconhecido, mas se esse desconhecido for trazido por alguém com uma cor de pele diferente, passa de medo a desconfiança.
A maioria dos Angolanos que viveram a guerra ainda a temem… Em cada esquina, a cada canto, sentem que a ameaça pode estar lá… E ela está… Em Angola existem centenas de campos minados, espalhados por todas as províncias, mas maioritariamente no Kuando Kubango a província que conheço melhor.
Em Angola para se trabalhar em saúde é preciso ter imaginação, vontade e espirito de sacrifício… Há poucos meios, mas há sempre algo que se pode fazer… e o que se faz, por pequeno que seja faz sempre diferença.
Em Angola aprendi muito e cresci muito, não só como Enfermeira mas como pessoa… Aquilo que aprendemos nos livros é muito útil para obtermos ECTS, mas quando estamos num país do 3º Mundo, fora do contexto perfeito e controlado que temos nos laboratórios da faculdade ou nos hospitais com tecnologia de ponta, tudo muda… É preciso ter conhecimento, ter fé mas acima te tudo ter coração. Como Enfermeira em Angola aprendi que é muito mais importante entender do julgar e que esquecermo-nos de nós para ajudar os outros não é ser grande, é ser gigante… e não o fazer é egoísmo puro…
Ninguém sonha ter que sair do seu país para exercer a sua profissão, ninguém sonha estar longe dos pais, da família, dos amigos, do conforto do lar… Ninguém sequer escolhe isso para si, emigrar é simplesmente não ter mais escolha!
Há dias bons, há dias maus, mas todos têm uma coisa em comum, em nenhum deles teremos o colinho da mãe para chorar, para desabafar ou mesmo para sorrir…
Valerá a pena?! Se pensar em tudo o que se perde, acho que não… Se pensar nos sorrisos que se desperta, no trabalho que se faz e naquilo que se vive, posso dizer, com toda a certeza… Cada um de nós faz valer a pena!
Quem visita Angola leva na mala dois avisos. O primeiro é que nem tudo o que reluz é ouro. O segundo é que mais arriscado do que não gostarmos é ficarmos fascinados!…
“I’m an African not because I was born in Africa, but because Africa was born in me!”
Kwame Nkrumah
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