Farmacêutica em Londres
Ana Patrícia Freitas, Farmacêutica portuguesa no Reino Unido, conta-nos a sua experiência de emigração.
Emprego Saúde – Porquê o Reino Unido?
Sou farmacêutica no Reino Unido, desde 28 de Outubro de 2016. Concluído o curso de Mestrado Integrado em Ciências Farmacêuticas, há dois anos atrás, deparei-me com um mercado de trabalho estagnado. Apesar das suas grandes fragilidades, Portugal prepara jovens muito competentes, quer a nível profissional, quer a nível social e humano. Infelizmente Portugal parece estar a preparar estes jovens de grande valor para os deixar emigrar para outros países onde encontram melhores condições laborais, valorização e perspetivas de progressão na carreira.
Inicialmente, candidatei-me a diversos empregos em Portugal, mas as condições oferecidas eram péssimas, tendo em vista todo o investimento na minha formação. Como agravante, alguns empregadores demonstraram, ainda, uma total indiferença perante a pessoa que iriam contratar. Já para não falar da oferta salarial “humilhante”, aparentemente legitimada pelos “Estágios Profissionais”.
Quando me deparei com este cenário tomei a firme decisão de trabalhar no estrangeiro. Escolhi o Reino Unido pela distância e pela minha facilidade em me expressar em Inglês.
Emprego Saúde – Como se processou a escolha do local de trabalho?
Durante a Faculdade já tinha estudado um ano fora, em Bolonha (Itália), no âmbito do Programa Erasmus. Essa experiência mostrou-me que somos capazes de nos “desenrascar” mesmo perante as situações mais insólitas e que conseguimos ter sucesso naquilo a que nos propomos, mesmo que tenhamos que o fazer usando outra língua que não a materna. Tudo isto me deu força para arriscar. Com a ambição dos 24 anos de idade e com a cabeça cheia de sonhos, candidatei-me a imensos empregos em diversas áreas e em países completamente diferentes, em busca de uma boa oportunidade.
A minha procura revelou-se proveitosa, quando recebi uma resposta de um “Regional Manager” da Tesco (multinacional de supermercados com farmácias integradas nas suas lojas de maiores dimensões). Nessa primeira entrevista, ainda não tinha reunido toda a informação necessária sobre a Ordem dos Farmacêuticos em Inglaterra (GPhC) e as suas condições de acesso. O “Regional Manager” confessou gostar da minha entrevista, pela motivação demonstrada, mas esclarecendo que para aquela posição precisava de alguém com urgência, que estivesse já no país e que tivesse mais experiência. Quando estava prestes a perder o ânimo, fui contactada pelo “Regional Manager” de outra região, Southwest. Fizemos duas entrevistas para as quais eu já estava mais preparada e que correram muito bem. Nesta fase eu já tinha iniciado o processo de inscrição no “General Pharmaceutical Council”, o que levou a que o empregador me considerasse para aquela vaga.
Aconteceu tudo no espaço de um mês, duas semanas de entrevistas e duas semanas para conseguir toda a documentação necessária para ser aceite no GPhC. Propuseram-me, então, a realização de estágio em Bristol, com a duração de um mês, em três farmácias distintas, cada uma com uma base de clientes muito diferente, para que eu tivesse contacto com todas as realidades. Este estágio foi à experiência e não remunerado. No entanto, valeu a pena o sacrifício, pois aprendi imenso e, no final, senti-me preparada para o novo emprego.
Emprego Saúde – E a adaptação?
No início de novembro, estava a mudar-me “de armas e bagagens” de Bristol para uma pequena vila na região de Somerset, Glastonbury. Não foi fácil mudar-me sozinha para um sítio completamente desconhecido, mas a vontade de superar este desafio falou sempre mais alto do que os meus receios. Confesso que tive uma situação menos agradável com a senhoria da primeira casa para onde me mudei, mas que depressa foi resolvida. No dia seguinte, na farmácia onde viria a ser “Duty Pharmacy Manager”, conheci uma Senhora espetacular que me ajudou a mudar as minhas coisas para o B&B do qual ela é proprietária. Foi a melhor coisa que me aconteceu, porque esta senhora e o marido tornaram-se a minha segunda família.
A adaptação à Farmácia foi rápida e fácil, pois no espaço de um mês já me sentia completamente familiarizada com os nomes dos medicamentos e já sabia os sobrenomes dos clientes habituais e mais simpáticos. As pessoas da loja receberam-me bem e as técnicas da farmácia ainda melhor. Aprendi muito com elas e, mais tarde, também eu lhes viria a ensinar novas metodologias de trabalho. Tornámo-nos amigas. A “Pharmacy Manager” inglesa, que começou a trabalhar na farmácia no mesmo dia que eu, era uma farmacêutica muito pouco confiante e com poucas capacidades de liderança, tendo sido demitida no mês seguinte. Mais uma vez, a vontade de superar o novo desafio de gerir uma farmácia, mesmo sendo recém-chegada ao país, fez com que eu desempenhasse um bom trabalho. Adquiri inúmeras competências que se revelaram muito úteis para o meu atual emprego. O “Regional Manager” apoiou-me bastante nesta fase de transição, e no que veio a seguir.
O meu mérito viria a ser reconhecido um ano mais tarde, quando, por razões salariais e profissionais (progressão na carreira), me demiti na sequência de ter sido recrutada, via LinkedIn, para a vaga de “Pharmacy Manager”, numa nova Companhia. Após uma entrevista, ofereceram-me emprego numa nova cidade, Bath, embora este processo demorasse cerca de 3 meses. Durante esse tempo, estive em negociações constantes com o “Regional Manager” da empresa onde ainda trabalhava, que não queria de modo algum que eu deixasse a Companhia. Durante estas negociações expressei a vontade de, eventualmente, me mudar para Londres, uma vez que o meu namorado estava a trabalhar nessa cidade e a próxima mudança ocorreria para Bath, pois a distância até Londres seria menor. Entretanto o tempo foi passando e, quando estava a duas semanas de me mudar para Bath, o “Regional Manager” ligou-me a propor uma vaga de “Pharmacy Manager” em Londres. Eu nem queria acreditar que, ao fim de apenas um ano, o meu mérito seria reconhecido da melhor forma possível. Nessa mesma noite aceitei a oferta, porque reunia todas as condições que eu tinha ambicionado.
Emprego Saúde – Quais os principais constrangimentos encontrados, ao nível social e profissional?
Atualmente trabalho como “Pharmacy Manager” em Woolwich, Londres, e estou a adorar a experiência. O desafio é muito diferente de Glastonbury, vila inglesa do SouthWest, cujos pacientes são maioritariamente idosos ingleses, muito educados e, ao contrário do que se pensa, sem qualquer tendência discriminatória por profissionais estrangeiros. Em Londres o cenário é muito diferente, pois o choque cultural é inevitável e, como profissionais de saúde, temos a necessidade de inventar estratégias, de forma a ajudar as pessoas que não falam inglês. Especialmente em Woolwich, o contexto migratório é evidente. Aqui senti necessidade de recorrer às várias línguas que tenho vindo a aprender. Diariamente uso o Italiano, o Espanhol, o Francês, o Inglês e a minha língua materna, o Português. Até a minha equipa na Farmácia é multicultural, tenho pessoas desde o Bangladesh e Jamaica, ao Ghana e Sumália. Este contexto de diversidade não influencia em nada a forma como trabalhamos em equipa, assim como o facto de atendermos pacientes provenientes de todos os continentes não afeta a maneira como acedemos às suas necessidades. Estes contrastes tornam o meu emprego muito gratificante e reforçam a ideia de uma “Aldeia Global”.
Emprego Saúde – Preocupa-te o Brexit?
Em relação ao Brexit, embora me cause alguma apreensão, é algo em que não nos podemos focar muito, uma vez que a sua concretização está fora do nosso alcance. Contudo, acho que um dos objetivos do Brexit é dificultar a entrada de pessoas no País e não a de perder os profissionais qualificados que já aí trabalham. Em Inglaterra, tirar um curso superior é algo muito dispendioso, daí a falta de profissionais qualificados que, na sua maioria, vêm do estrangeiro. O Brexit tem que ser muito bem pensado pelos políticos intervenientes, antes de ser executado, ou será o Reino Unido que mais sofrerá as consequências.
Emprego Saúde – Satisfeita com a opção?
Estou muito satisfeita com a opção que tomei. Aqui a minha profissão é reconhecida, o mérito é recompensado, há perspetivas de progredir na carreira e as condições salariais são continuamente revistas e muito superiores às concedidas em Portugal. Comparando aspetos específicos da profissão farmacêutica, aqui tenho a oportunidade de gerir uma farmácia com tudo o que isso acarreta. Estou envolvida em todas as atividades de gestão, nomeadamente a Gestão de Stock, a Gestão de Pessoal (contratações, férias, formação…), a Gestão de Recursos e a Gestão de Eventos de promoção de saúde. Como a farmácia está integrada numa cadeia de supermercados e é necessário gerar valor económico, trabalhamos em função de objetivos pré-estabelecidos pela empresa (valor em vendas e serviços), o que nos mantém altamente motivados. Para além disso, tenho um acesso privilegiado a formações online e estou apta a oferecer serviços como revisão da medicação, vacinação (gripe, meningite), supervisão de pacientes em regime de metadona, consultas de disfunção erétil, contraceção de emergência, cessação tabágica, saúde do viajante, entre outros.
Todas estas circunstâncias tornam o exercício da minha profissão mais rico e o meu dia-a-dia enquanto farmacêutica muito mais estimulante.
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